Entrevistas

Fernando Catatau – A Fortaleza do Cidadão Instigado

Fernando Catatau é o guitarrista, vocalista, “frontman” e principal compositor da Cidadão Instigado, banda de rock de Recife que completa 20 anos em 2016. Mas ele não é só isso. Ele também é sideman (músico que acompanha artistas em shows e gravações), e nesta função acompanhou artistas como Otto, Arnaldo Antunes e Vanessa da Mata.

Além disso, ele desempenha a função de produtor, não só produzindo os discos da Cidadão, mas também de outros artistas, como o já citado Arnaldo Antunes. Ele também está produzindo o disco de outro Arnaldo, o Baptista, Ex-Mutantes e um dos gênios mais subestimados do Brasil, mas o trabalho está parado por falta de verba e entraves burocráticos.

Na entrevista a seguir, Catatau fala sobre este “enrosco”, sobre o ofício do produtor, do sideman, do compositor, sobre suas parcerias, seus projetos, sua fonte de inspiração, suas influências e Legião Urbana.

Marcado dia e horário, encontro Catatau na rua, nos cumprimentamos e caminhamos até uma tranquila praça no bairro da Aclimação. No caminho até lá, vamos conversando amenidades e, chegando à praça, ele me conta que ali perto fica o estúdio onde parte do novo disco da Cidadão Instigado, Fortaleza, foi gravado. Eu ligo o gravador:

Foto-Divulgação de Fortaleza, novo disco da Cidadão Instigado

Você estava me contando sobre a gravação do Fortaleza… 

O disco foi gravado em várias etapas. Primeiro a gente gravou as bases no estúdio El Rocha, que foi baixo e batera… Aí depois eu levei pra casa e comecei a gravar as guitarras, que foram quase todas gravadas em casa.

Com plug-ins?

Não, eu comprei um pré na época que é uma reedição da mesa Helius, Type 69, aí comecei gravando com ele, gravei algumas coisas com este pré. Aí depois eu acabei passando ele de novo… A Helius foi a mesa clássica de estúdios que gravaram vários discos de rock, Led Zeppelin, que era da Atlantic. A mesa foi criada na Atlantic, um técnico de som de lá que fez, e depois fez pra várias bandas, os Rolling Stones tinham o estúdio móvel deles que era com a Helius, o Eric Clapton também usava ela, enfim, toda esta galera do rock.

Eu comecei a pesquisar e achei que os caras fizeram uma reedição deste pré, comprei e comecei a gravar com ele, é muito massa o som. Depois de um tempo vendi ele, que eu tava precisando de grana, e tal, aí passou um tempo depois eu consegui comprar, até no E-Bay, eu consegui comprar, dois canais de uma Helius original que foi do The Who, então eu tenho estes dois canais originais, que aí o som dos meus prés agora é da fita, entendeu? Então pronto, eu terminei com eles, inclusive as vozes do disco, a gente levou ele pra gravar os backings…

Pô, imaginar que estes canais foram usados pelo próprio Townshend…

Ah, era do estúdio deles, onde foram gravados vários discos que eu gosto… Thin Lizzy, Jail Brake, foi gravado com esta mesa, a história que tem escrita lá diz que um pedaço da mesa foi emprestada pro Jimmy Page quando ele compôs Stairway to Heaven…  Judas Priest também gravou um disco lá…

Então a história do rock passou por ali, entendeu? Então é um lance que foi muito especial. E pros finalmentes do disco eu usei bastante. Mas aí eu gravei violões no estúdio do Zé Nigro, que é o Navegantes… Gravamos na casa do Cleiton umas baterias também, gravamos na casa do Stan os teclados… Então foi um disco que saiu picotado de vários lugares até a finalização.

Demorou quanto tempo o processo?

Cara, demorou… o disco demorou quatro anos pra ser feito, né? Por grana, tiveram vários motivos pra ele demorar. Até mesmo… A gente gravou as bases, a gente foi pra Icaraezinho de Inhamontada, que é uma praia no litoral, no Ceará, perto de Jericoacoara, e lá a gente começou a organizar os arranjos, e foi indo, foi legal o processo, porque a gente conseguiu se juntar todo mundo lá no Ceará, sem ter programação, a gente ia pra praia, voltava, tocava…

A gente gosta das coisas simples, ia pra lá, curtia, comia, ficava conversando e arranjando. Aí o começo das gravações foi um ano depois, no estúdio El Rocha. Aí demorou, porque quando eu comecei a gravar as guitarras, eu demorei muito pra achar a concepção do disco, o que eu queria de guitarra, que eu sabia que não era o que eu já vinha fazendo antes, nos outros discos, então demorou mesmo.

E depois que eu fiz as músicas, eu vi que ia ser muito difícil pra eu cantar as músicas, pra eu cantar sempre foi um lance muito sofrido, e o que eu fiz, comecei a estudar canto, e nos finalmentes acabei conseguindo fazer, fiquei satisfeito. Enfim, foi este processo, eu tive que me adaptar ao disco, eu fiz uma parada que achava que ia ser fácil e no final não era tanto (risos), mas aí eu corri atrás do prejuízo, e fiquei satisfeito no final.

Quando você grava um disco, você tem um conceito em mente, escolhe músicas que tenham a ver uma com as outras em algum sentido?

A maioria das músicas, elas sempre envolvem o meu mundo, então todas tem a ver de alguma maneira, mas pra você fechar um disco, elas tem que caminhar coletivamente, de alguma maneira se integrar. Então eu pego os temas das letras que tenham a ver com o que eu quero falar na época, e acaba dando certo, porque como as músicas que eu faço são sempre muito pessoais, tem a ver.

E eu tenho várias linhagens de pensamento, eu escrevo coisas com problemas sociais, sobre problemas amorosos, vivências, qualquer coisa assim, eu tento encaixar pra fazer sentido. Mas quando eu faço uma música, eu não penso nas outras que vem a seguir, mas elas tem uma unidade porque não deixam de ser os meus pensamentos e os meus sentimentos.

Capa de Fortaleza, quarto disco da Cidadão Instigado

E o momento que você está vivendo…

Exatamente… Aí, se eu faço uma música agora, e outra daqui um mês, dois meses, elas de alguma maneira se identificam uma com a outra porque é o momento da minha vida atual.

E você escreve a letra primeiro e depois tenta encaixar a melodia?

Antes eu fazia mais isso, agora eu vou meio fazendo tudo junto, por isso que as músicas até não tem muito este lance de vai, volta, refrão, elas vão caminhando, porque eu vou fazendo, eu não tenho uma regra, um caminho certo pra fazer, eu vou fazendo de acordo com o que quero falar. Ontem mesmo estava fazendo uma música que vai caminhando, e vai simbora, tem hora que não volta nunca mais (risos). É o jeito que sai mais fácil pra mim.

Eu li uma entrevista sua onde você dizia que tem uma certa preferência por tonalidades menores (*que, de forma geral, tem sonoridade mais melancólica).

Eu acho que antes, eu caminhava mais por este lado, acho que hoje já consegui até quebrar isso, porque você vai tentando quebrar as barreiras, quebrar os seus próprios clichês, então antigamente eu só fazia músicas em tons menores, hoje eu já consigo caminhar pra outros lados, inclusive no Fortaleza ele vai pra outros lados também.

Então é isso, você vai… Uma das coisas que foi prioridade pra mim neste disco foi isso, tentar sair do que estou acostumado a fazer. Não, eu vou, cara… sei fazer riff assim, assim e assim. Então eu quero fazer de outro jeito. Música também, tudo. Pra você não ficar se repetindo toda hora, porque a vida continua, se você ficar no mesmo lugar…

O trabalho de compositor influencia no trabalho de arranjador, e vice-versa?

Ô! Isso aí sempre, cara. Sempre. Acho que minha maior escola mesmo foi tocar com a galera, toquei com muita gente diferente. E uma coisa que eu acho super importante quando você vai tocar, é você tentar contribuir praquele som sem que você… você não precisa gritar demais. A maioria das pessoas sempre pensa, “ah, agora eu vou detonar”, e não precisa. Você tem que fazer o que a música precisa.

Eu lembro que o primeiro trabalho mais diferente do que eu fazia foi o da Vanessa da Matta, fui tocar com ela e fiquei “caralho, o que eu vou fazer aqui?”, mas eu tava afim, foi um desafio, a gente era chapa, já amigo tudo, e vamos nessa. Tinha música que eu dizia assim “cara, aqui acho que não tenho nada pra contribuir pra esta música”, e aí eu não tocava. É massa que ela me deu esta liberdade, que se ela também não desse, ia ficar difícil, acho que eu nem ia tocar. Eu tentava fazer uma coisa, mas fazer um riff… fazer com que ele marcasse minha passagem ali naquela história, pra não ser qualquer coisa, também.

Ao mesmo tempo, quem era a estrela da parada é ela, então eu tenho que ficar mesmo ali de apoio e tentar caminhar junto com ela, é o pensamento. Mas é massa essa troca, eu acho que eu tive, tenho, muita sorte de trabalhar com muitas pessoas que eu gosto, e tenho afinidade. Isso é uma coisa muito difícil, você ter afinidade com várias pessoas e estas pessoas de repente estarem cruzando seu caminho, entendeu? Então hoje eu já toquei com vários dos meus ídolos, vários deles, são meus amigos, e eu digo, isso pra mim é a maior vitória, eu não tenho grandes ambições, nem financeiras, eu gosto de tocar, e é isso, e estas trocas pra mim são as melhores coisas.

E massa que toda minha galera, os meninos que tocam comigo, a gente que veio lá de Fortaleza, tem o mesmo pensamento e o mesmo sentimento. Então é massa que fica a vaidade lá do outro lado, a gente esquece isso e vai tocando, e tentando melhorar, estudando…

E o lance de tocar com artistas surgiu entre o início da banda e o primeiro disco?

2000, 2001 foi a primeira vez que toquei com o Otto, e primeiro disco é de 2002, mas antes a gente já tinha um EP, de 5 faixas. Foi por causa deste EP que o Otto conheceu, a gente veio tocar em São Paulo em 1999, com o Cidadão, foi a primeira vez que a gente veio, no SESC Pompéia, foi um projeto, não me lembro direito, projeto nordestinidades, um negócio assim, na mesma noite tocou a gente, tocou Narguilé e Drô Mecânico, que era uma banda do Piauí, e tocou o Otto, fechando a noite, logo depois da gente.

Foi naquele dia que a gente se viu a primeira vez. Em 1994 eu morei em São Paulo também, foi a primeira vez, que foi quando eu comecei a compor as músicas da Cidadão, e nesta época eu fiquei amigo da galera da Nação Zumbi… Chico Science, que ainda era vivo…

Lúcio, Dengue…

Pronto. Lúcio, naquela época foi lá em casa, que a gente era os guitarristas, e ficava trocando ideia. Lembro que teve em São Paulo um show no Aeroanta, um festival chamado RecBeat, que veio pra São Paulo e fez shows no Aeroanta com várias bandas de Recife. Eu tinha um brother nesta época, que tocava numa das bandas, que era o Khelps. Ele tocava na “Conservados em Formol”. Aí nesta época eu conheci os meninos da Mestre Ambrósio.

O Siba ficou lá na minha casa, uma época, e aí a gente começou a ficar amigo, rolou esta proximidade. Aí quando eu conheci o Otto, foi bem lá na frente. Ele tava procurando um guitarrista, e o Pupilo falou de mim pra ele. Aí eu peguei uma carona com ele num carro e ele, “ah, estou indo pra Barcelona, tô precisando de guitarrista, você não quer ir?”, e eu: “quero!” (risos). Uma semana depois eu tava lá tocando na Espanha, foi assim que eu entrei na banda do Otto.

Como começou a produzir discos?

Eu comecei com a Cidadão, mesmo, fazendo minhas próprias produções, foi na prática pessoal. Comecei fazendo os discos, aí teve uma galera em Fortaleza que me chamou pra fazer umas trilhas sonoras de curtas, comecei a fazer sozinho, eu tinha um gravador de rolo de quatro canais, eu gravava tudo nele, depois teve uma menina em Fortaleza que era Karine Alexandrino, que fiz produção do disco dela… Aí pronto. Aí continuei com o Cidadão, fazendo nossas coisas. Aí foi o Arnaldo que me chamou a primeira vez pra fazer a produção.

Do disco Ié-ié-ié.

Isso. Aí foi a minha primeira produção mesmo, pra uma pessoa que eu não tinha tanta intimidade, que o Arnaldo na época eu ainda não tinha muita intimidade com ele, então era trabalho, trabalho mesmo. Mas acabei ficando muito amigo de toda a galera e foi muito foda. Este trabalho pra mim foi muito marcante, até por causa do Edgar, que é meu ídolo, e eu produzindo podia dizer “Edgar, faz assim”, e o bicho vai lá e faz (risos). É foda, foi maravilhoso.

Aí depois teve o do Siba, que é outro cara que admiro demais, sou muito fã dele, ele tem um estilo muito próprio de guitarra. E o Siba é um cara que, depois que o Mestre Ambrósio acabou, ele desistiu de tocar guitarra, até pediu minha ajuda pra vender a guitarra, eu ajudei, e depois de muito tempo ele voltou a tocar neste disco, foi a volta dele pra guitarra.

Eu sempre ficava falando “bixo, volta pra tocar”, porque ele toca muito, e foi massa porque ele ainda achou um caminho totalmente novo de tocar guitarra, muito mais massa do que era antes, então foi outra produção que fiz e gosto muito, que eu também sou fã do Siba… E o Cidadão… São as coisas que eu fiz, de produção.

Como poderíamos explicar pra quem não é músico qual o papel de um produtor?

Acho que existem vários estilos, vários caminhos pra você ser produtor. O meu, eu tento ver a pessoa que eu vou trabalhar. No caso do Arnaldo, eu fiquei imaginando o que eu gostaria de ver dele, tentar ajudar ele a encontrar o que ele quer, e eu também o que eu gostaria de ver em termos de sonoridade, então é uma parceria.

O Arnaldo Antunes é o Arnaldo Antunes, meu ídolo de Titãs, então eu sabia muito bem o que eu gostaria de ouvir, então eu tentei parceirizar, mesmo. “Ó cara, aqui vamos por este caminho aqui”, ele já chegou com as músicas prontas, e a gente foi escolhendo pra fechar o repertório, pra ter uma unidade ali, e tentando ajudar nos timbres, tentando dar os caminhos… É uma parceria, aí funciona muito bem. Porque tem uns estilos de produtor que ficam tentando comandar a coisa sempre a pessoa a fazer coisas diferentes.

Tem uns que se garantem, e funciona, e fica até melhor do que tava, mas eu prefiro parceirizar. Pelo menos eu nunca cheguei perto de alguém que eu precisasse realmente mudar… Ah, teve uma experiência de produção que eu tive em Fortaleza, que era uma banda chamada Consciência do Sistema, que era uma banda das antigas de Rap, e foi uma parceria muito massa, porque os meninos estavam abertos, e fui dando outros caminhos pra eles. Eles eram muito focados no Rap tradicional e eu consegui dar outros caminhos, e isso também é massa.

Trabalhando com Arnaldo Antunes, o que aprendeu de mais bacana?

Eu acho que a coisa mais massa foi ver que ele é um cara massa (risos). Isso foi a primeira coisa, porque eu já estive diante de vários ídolos meus que caíram a máscara e eu fico longe, não sou paga pau de ninguém… E o Arnaldo é isso, ele é autêntico, genial mesmo, se garante, é roqueiro… Não dá nem pra falar, ele é realmente meu ídolo de adolescência… Ele, Legião Urbana… Sou amigo do Dado… São meus ídolos mesmo, caras que mudaram muito da minha cabeça, entraram vários pensamentos diferentes por causa destes caras. E a gente é amigo hoje, amigo mesmo.

Uma coisa que acho bacana é você destacar estas influências. Existe muitos detratores do rock brasileiro mais pop. Legião costuma ser campeã de rejeição por parte dos mais xiitas.

Ontem mesmo eu tava vendo uns vídeos sobre os punks do Ceará, dos anos 80. E os punks não consideram quase ninguém, mas falavam do Renato Russo. Porque não tem como, bicho. Quando surgiu a Legião, tenho 44 anos, foi um lance tão forte… o discurso é simples, é direto, mas é muito profundo. Ele fala

realmente sobre a sociedade, sobre as dificuldades, é muito profunda a internalização dele. O Renato falava pros jovens, o discurso dele era pros jovens, e é muito foda, o lance é que a galera tem a mentalidade velha (risos). Eu me identificava muito, eu me identifico, escuto Legião até hoje, é um lance muito forte pra mim, fez muito do meu caráter, dos meus pensamentos sociais, tudo isso. Graças a Deus eu ouvi Legião no tempo certo, da maneira certa. Eu já vi caras falando “ah, aquela música é simples”…

Como se o grau de complexidade da música determinasse a qualidade dela…

Um cara que faz uma introdução como a de Tempo Perdido, o que é aquilo, cara?!

É verdade! Eu gosto muito do Dado como guitarrista, fez coisas simples mas muito bonitas, que ficaram imortalizadas pra uma geração inteira, faz parte da vida das pessoas…

É lógico! A galera não gosta de quem é muito conhecido, então fica este ranço eterno. Mas eu sempre fui muito fã, mesmo. Legião é uma das bandas que mais gosto e nunca deixei de falar isso. E hoje sou amigo, acabei de participar do show, este tributo, o Dado me chamou, e eu participei em Franca e Campinas.

Tocou o show inteiro?

Não, eu cantei, duas músicas.

Quais?

Andrea Doria e Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar.

Dois Lados-B sensacionais!

Andrea Doria é minha música preferia da Legião, eu que pedi pra cantar. É foda, não tem o que falar. É o pensamento profundo. Renato Russo, Raul Seixas, são os caras que sabem falar de uma maneira muito simples de coisas muito complicadas. Acho que as pessoas precisam disso, e é por isso que muita gente se identifica, é um atalho pra você pensar mais rápido numa coisa que é muito séria. No Brasil a gente é acostumado a deixar as coisas passar, e é por isso que a gente está vivendo este monte de conflitos… Porque as pessoas tão pensando mais… não tão mais querendo… antigamente, as pessoas só deixavam passar, quem se revoltava, ficava revoltado sozinho, e um monte de gente massacrando você.

Catatau foge dos modelos mais convencionais de guitarra

O papel da internet foi importante neste sentido, de as pessoas saberem que existem quem pense como elas, que não estão sozinhas…

Eu mesmo já pensei várias vezes: PQP, estou sozinho nesta porra. Em Fortaleza, a gente ficava ali, aos gritos, o grito ecoava e nunca mais voltava, aquela coisa de… eu ficava puto com as coisas, mas é isso, e eu tô vendo agora esta coisa das ocupações nas escolas… Foi uma coisa maravilhosa, toquei em algumas escolas, e vendo os jovens de hoje falando, é foda, cara. É um monte de Renatos Russos, um monte de pensamentos certos.

Você vê que o legado dele está vivo, eles não apenas ouvem a música, como o pensamento dele continua ecoando, o legado está claro.

Eu acho! O mais louco é você ver um monte de gente que tem outros pensamentos indo lá e delirando com Legião Urbana, este que é o mais estranho desta história (risos).

Entre suas “influências nordestinas”, estão Fagner e Zé Ramalho. Belchior também faz parte deste caldo?

Cara, o Belchior não foi um cara que escutei muito, não, mas acho foda. Acho ele um dos grandes letristas, acho massa, mas é um cara que não sou aprofundado nele, não. Acho que escutei mais o Fagner, mesmo. Zé Ramalho, também. Mas confesso que minha linhagem maior é pós-punk, acho que meu lance nordestino é bastante por eu ser nordestino, mas sempre fui mais ligado nesta praia. Raul é um cara que eu curto muito… O Fagner sempre foi muito forte, porque a gente é cearense, e eu vi show dele quando era pivete… O Belchior confesso que não sou dos mais aprofundados no trampo dele, mas eu curto muito, não tem como não.

Vocês tocaram o Dark Side of the Moon na íntegra. Como foi esta experiência?

A gente fez num projeto do SESC, 73 rotações… Mas enfim, o Ramiro, que era o curador deste projeto, chamou a gente pra fazer o Dark Side. No começo até fiquei meio assim, porque fazer um disco destes não é careta, você tem que estar muito firme pra representar, ali. Aí o Ramiro chamou a gente, eu no começo fiquei meio assim, porque no Cidadão sou sempre eu que canto. Aí como todo mundo decidiu cantar, e todo mundo canta muito bem em inglês… Que o problema maior pra mim é inglês, não me garanto muito… Enfim, como todo mundo resolveu cantar, eu disse “vamos nessa”, e aí rolou. E foi muito foda, tocar este disco, e da nossa maneira conseguir chegar numa linguagem que soasse como a gente, como Cidadão Instigado, fazendo as músicas do Floyd.

Ou seja, não foi literal…

Foi literal, porque a gente tocou o disco igual. A gente tocou igual, fez todos os solos, todas as coisas, só que acho que sentimentalmente a gente conseguiu representar a nossa história, colocar nossa identidade. Tinha um outro momento que fazíamos um improviso, mas num geral, foi bem em cima da parada, do disco mesmo. Tentamos (risos).

Você é o líder da Cidadão Instigado. Qual o papel dos outros integrantes?

O Cidadão é um projeto que foi criado por mim, eu idealizei o Cidadão em 1994 quando vim morar em São Paulo, fiquei dois anos compondo músicas pra rolar esta parada. Pra fazer a banda como eu acreditava. Aí em 1996 eu voltei pra Fortaleza, montei a banda e fui traçando caminhos. Antes era meu projeto pessoal, e depois ele foi se transformando naturalmente em banda. Tanto que hoje somos uma banda mesmo. O Regis, Dustan, Rian, Calil… Tirando o Cleiton, que é de São Paulo, da Mooca, o resto da galera é tudo de Fortaleza, então somos amigos desde adolescentes, antes do Cidadão, então é um lance que a gente se entende muito bem, se conhece há muitos anos, a gente tem os mesmo ideais…

O Dustan é meu amigo de prédio, segundo andar, a varanda do apê dele dava pra área de serviço do meu, então a gente se conhecia muito novo, e guitarra, guitarristas… Eu tinha a minha banda, que chamava Companhia Blue, e ele tinha A Tribo. A Tribo era o Dustan, o Rian, e tinha mais dois amigos, o Danilo e o Aristides. O Danilo até fez a música “Escolher pra quê?”, a letra é dele, então é uma galera que anda junto há muito tempo.

A Companhia Blue era o Regis, o Boca, o Junior Boca, que toca guitarra com o Otto também, e tinha o Hamilton, batera de lá. Então a gente é amigo de muito tempo, tem muita raiz encontrada, ali. O Dustan, a gente sempre foi amigo, mas a gente nunca tinha tocado guitarra com guitarra junto, na mesma banda, este disco, Fortaleza, é a primeira vez. Antes ele tocava teclado, ele entrou na banda, o Regis já estava na guitarra.

O Régis era o baixista da Companhia Blue, mas no Cidadão ele tocava guitarra, e agora ele voltou pro baixo. E o Rian era o primeiro baixista da Cidadão, depois saiu, passou várias formações, e hoje ele tá fazendo violão, teclados, percussão, e ele fez todos os arranjos de backing vocals. Então é um lance que a gente se entende muito. São pessoas que admiro muito. O Cleiton é um grande amigo, eu que fui atrás dele, queria tocar com ele. Ele tocava com o Júpiter, e eu fazendo show com o Otto, pela Trama. E eu olhava ele tocando e pensava “que foda este cara tocando”.

Aí cheguei pra ele uma vez e disse “Pô bicho, um dia queria tirar um som com você”, e ele “não, não gosto destes sons regionais, não”, e eu “podes crer, valeu…” (risos). Mas é que o bicho é rançoso mesmo (mais risos). Foi o começo, aí depois a gente se encontrou por acaso no metrô, tava ele, o Júpiter e o Reizinho, e chamei eles pra ir lá no estúdio, que estávamos gravando Ciclo da De. Cadência. Aí o Cleiton “pô, vou aparecer lá”. Aí foi lá, a gente foi se aproximando, ficando amigo… Ele deu uns pitacos, porque ele é muito sentimental… Ele gosta, galeroso, a gente foi começando a ficar amigo, e uma hora ele entrou na banda. Depois do Método Turfe, ele já começou a gravar, e entrou na banda. E é isso.

Cidadão Instigado, em foto de Haroldo Saboia

E o Lamber Vision?

O Lamber Vision é do Samuca. Eu e o Samuca nos conhecemos no Instituto fazendo o Tim Maia Racional, e a gente se identificou muito, a gente tem o pensamento muito parecido. Aí a gente começou a inventar coisa pra estar junto, e saiu inventando. E aí foi fácil, hoje a gente é muito amigo, faz as coisas juntos, aí vir uma galera que além de tocar junto, gosta de andar junto e de ser amigo. O Lamber é um projeto dele, aí somos eu e Dustan nas guitarras… Pronto! Antes do Fortaleza, a primeira vez realmente que eu e Dustan tocamos guitarra juntos foi no Lamber Vision!

E a gente viu que funcionava um lance muito louco assim, porque eu e ele temos uma visão muito parecida, a gente é do mesmo bairro, do mesmo prédio, e isso… acho que quando você é de algum lugar, você sabe exatamente como é que funciona isso, aqui tem a galera de Pinheiros, tem a galera do Jabaquara… Cada bairro você tem uma personalidade, e em Fortaleza não deixa de ser. O Regis é do centro, então ele é um outro tipo de pensamento da gente… Mas ao mesmo tempo as pessoas se encontram… E foi isso! O baixo do Lamber Vision é o Pedrão, que foi embora pra Berlim, e agora tá o Zé Nigro, que é daqui de Sampa também.

E o lance instrumental?

Eu sempre gostei. Se você pegar o primeiro EP da gente, são quatro músicas cantadas e uma instrumental. Que já era uma coisa que eu fazia, porque pra mim o Cidadão no começo era pra ser isso, meio cantado, meio instrumental, até porque eu tinha uma certa “microfonefobia” (risos). Eu fui cantando na marra, e inventando meus artifícios pra poder funcionar. Muitas coisas no começo eram só faladas, depois que eu passei a usar melodias… que é uma coisa mesmo da dificuldade, eu sempre fui muito tímido, e cantar é você sair na voadora sem pensar (risos). Hoje eu dou muito valor à galera que canta bem, eu fico me ligando mesmo, porque é um negócio muito difícil.

Como você arrumar tempo pra conciliar tantas atividades? Imagino que o mais difícil seja lembrar as formas das músicas, detalhes…

Acho que esta é a pior parte, de você lembrar, mesmo. Porque esta semana mesmo vou tocar com a Karina Buhr, aí tem show do Cidadão, depois vou gravar com o Lamber… Mas ao mesmo tempo, eu tenho tempo porque todas as bandas que eu toco não são bandas que tocam toda semana, então você acaba tendo tempo. Toda semana eu tenho show, mas é com coisas diferentes, aí quando você vê você já refresca, aí eu dou uma escutada um dia antes no som, só pra lembrar, porque às vezes você tá…

É mais a intenção que tem que estar de acordo. Mas é bom, é como se você pegasse palavras cruzadas e ficasse fazendo, pegando a memória e dando uma usada nela, porque senão você fica bitolado. É igual o cara que faz o mesmo trabalho todo dia, eu lembro que eu trabalhei “batendo” xerox, então todo dia era “tchan, tchan, tchan” e você não sai daquilo, e a vida perde a graça. Então você tem que ter mesmo estas diferenças que é pra colorir os dias, as semanas.

Coisas novas sendo gestadas, quais os planos pra 2016?

Este ano, 2016, a gente está fazendo 20 anos de Cidadão, então a gente vai fazer algumas coisas direcionadas a isso, a gente tá lançando ainda o Fortaleza, que saiu em abril, mas a gente tá começando a organizar pra ver se logo mais a gente tá fazendo o show de 20 anos mesmo, pegando coisas bem antigas. O show que a gente tá fazendo agora é baseado no Fortaleza, quase não toca músicas antigas.

Mas agora a gente vai ter que mudar tudo, porque como a formação mudou, a gente não sabe mais tocar as músicas antigas porque eram outros… cada um no lugar diferente (risos). Enfim, então agora a gente tá organizando isso. Eu tô há alguns anos produzindo um disco, que tá parado por falta de verba, que é o Arnaldo Batista, que é o Esfera, eu fiz bastante coisa e parou. Estou esperando pra retomar. Arnaldo é maravilhoso, e este disco, até onde eu caminhei, tá ficando muito massa.

Eles tiveram problemas porque conseguiram um Proac, mas o proponente que fez pra eles faleceu, aí quando saiu a grana ficou presa, sei lá, eu não sei direito o que vai rolar, mas eu espero que se resolva, porque eu acho que é muito importante sair este disco e o Arnaldo mesmo continuar mostrando as coisas dele, ele é genial. Aí tem isso, e estou correndo atrás de outras coisas também, agora eu tô a fim de fazer outras coisas também, não só tocar, tô pensando em ir pra Fortaleza, fazer umas coisas por lá… Passar o que aprendi, “galerosisar”, chegar junto da galera, trocar ideia… Alguma coisa neste sentido, ainda não sei direito o quê não, porque eu ainda não tenho nada concreto, mas tô afim também de sair só das coisas que eu faço.

Atualmente Catatau toca com: Cidadão Instigado, Karina Buhr, Lamber Vision e Submarinos, além de manter o projeto Fernando Catatau Instrumental.

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