Entrevistas

Yamandu Costa – Muita vida em muitas cordas

Não é de hoje que Yamandu Costa é um dos maiores nomes do violão brasileiro em atividade. Aliás, ele fez questão de destacar neste bate-papo que o cenário do violão brasileiro está efervescente, com diversos nomes, dos mais diversos estilos e escolas, se destacando, gravando coisas, tocando, produzindo.

O próprio Yamandu é um dos expoentes deste tipo de artista que não consegue parar e se que entrega com abandono ao fazer artístico, atuando em diversas frentes sempre que isso se faz necessário. Além de gravar seus próprios discos, este violonista gaúcho de 36 anos tem uma série de parcerias, que às vezes se revertem em participações em discos e shows conjuntos.

Yamandu também gosta muito do mundo audiovisual, tendo produzido a série documental Sete Vidas em Sete Cordas e uma série de programas intitulada Contradança, sobre as quais o violonista gaúcho conta os detalhes neste descontraído bate papo.

Li em uma entrevista sua relativamente recente que você tem vontade de fazer um trabalho homenageando Baden Powell. Este projeto já teve início?

Olha, por enquanto, não. Na verdade, esta é uma vontade que eu tenho, de desenvolver um tributo, deve ser um trabalho bastante diferente. Ainda não dei um start, mas tenho muita vontade de poder homenagear o Baden, que acho que seria o grande nome desta lista. Também tem o (Agustín) Barrios, aquele compositor paraguaio incrível, mas eu acho que o Baden merece uma atenção toda especial.

Na verdade eu estou querendo dar um passo no sentido de fazer produções um pouco maiores, parar um pouco de fazer estas produções menores, que a gente normalmente se junta, pra gravar em duo, ou trio… é uma coisa que acaba sendo um pouco mais simples, e eu tô afim de começar a fazer umas produções com uma envergadura um pouco maior.

O saudoso mestre Baden PowellO saudoso mestre Baden Powell

E o que está rolando neste momento?

Olha, neste momento, agora semana passada eu gravei um CD com o Alessandro Penezzi. Em Curitiba, fui pro estúdio na casa de um amigo, muito bom, ficamos hospedados nesta casa uns 4 dias, de quinta a domingo, e aí nós gravamos. Metade do disco são de composições nossas, o Penezzi veio alguns dias antes pra minha casa aqui no Rio, e daqui nós seguimos pra Curitiba. E isso ficou um trabalho muito interessante, gostei muito, a gente está agora finalizando, as edições, e tal. Mas o trabalho ficou super bonito, e esta é a última novidade.

E estas composições de vocês são individuais, que trouxeram pra este projeto, ou vocês as compuseram em parceria especificamente para este trabalho?

Trabalhamos várias em parceria, pelo menos umas seis.

E a outra metade, que você citou?

A outra metade são composições só dele, composições só minhas, também… e uma homenagem a um mestre dele, um cara chamado Sérgio Belluco, um cara de Piracicaba, que formou muita gente, lá na região dele, e a um meu, Lúcio Yanel, que é um argentino, que foi minha grande inspiração violonística. Então a gente acabou fazendo uma homenagem a estes mestres aí, que foram tão importantes na nossa formação, então acabou que caminhou por aí, metade do disco de músicas nossas, a outra metade de individuais e a homenagem  estes mestres.

Já tem previsão de lançamento para este trabalho?

Por enquanto não, não tem nem previsão e nem forma de lançamento. Porque do jeito que estão as coisas hoje em dia,  esta coisa do CD é uma mídia que está muito difícil de viabilizar, então a gente não sabe exatamente como vai ser lançado isso, ou quando. A gente vai aprontar. Eu tô embarcando pra América semana que vem, pra fazer uma turnê por lá, e já devo levar este material também, de repente a gente vai lançar por lá também, ainda não sei exatamente o que vai acontecer.

Alessandro Penezzi, talentoso violonista do interior de São Paulo, com quem Yamandu gravou recentementeAlessandro Penezzi, talentoso violonista do interior de São Paulo, com quem Yamandu gravou recentemente

Tem a discussão sobre os formatos. Na história da música fonográfica, passamos por várias revoluções. Você tem alguma previsão/palpite sobre o que vai rolar em termos de mídia?

O que eu espero que não role é que o fonograma pare de existir, porque enfim, a mídia pode ser uma, pode ser outra, a gente foi vendo isso, agora… também tem uma coisa tão contraditória né, que o rádio não acabou. O cinema não acabou. Então tem mídias que suportam o tempo, a gente não sabe exatamente ainda o que vai acontecer com todas elas. O que a gente espera é que as pessoas não parem de ouvir música, e eu acho que isso é um pouco difícil, então de uma maneira ou de outra, gravar sempre vai ter sua vez, e é uma coisa super gostosa de fazer, independente de qualquer coisa.

Você já testou o formato de streaming para suas músicas?

Ah, sem dúvida, eu tenho alguns fonogramas, alguns CD’s que foram gravados, que estão na Biscoito Fino, que é uma gravadora carioca, que já estão dentro de algumas plataformas destas aí, então alguma coisa já tem disponível na internet. Eu tô querendo encontrar uma maneira de ficar um pouco independente, de conseguir colocar isso na web e que seja uma coisa mais direta com o artista, então tô pensando em de repente construir um estúdio aqui na minha casa, pra começar a fazer uma coisa um pouco mais independente neste sentido.

No caso do iTunes, por exemplo, o retorno financeiro é significativo?

Sim, tem aquele percentual, mas ainda é uma coisa muito nova, né? Não é uma coisa que está clara ainda, tem ainda uma polêmica muito grande sobre isso.

Acaba ficando uma porcentagem muito pequeno para o artista-criador, né?

Exatamente, exatamente. Tem sempre estes detalhes que tem que ser corrigidos, que a gente também tem que estar ligado pra saber cobrar direito. Cobrar os direitos, também, tudo isso.

Você participa de diversas parcerias, em vários formatos. Como muda a abordagem musical, e como é feita a seleção de repertório pra cada projeto?

Olha, são coisas que acontecem naturalmente! São músicos que a gente vai encontrando pelo caminho, naturalmente vai ficando amigo deste pessoal, e esta vontade vai acontecendo, durante os saraus que acontecem nesta vida de músico, você vai aprendendo músicas, até que chega um ponto em que você acha que tá na hora de registrar alguma coisa. Então são coisas naturais, são coisas que vão acontecendo muito naturalmente. O repertório também, o repertório são coisas que são comuns a gente,  então são coisas que vão acontecendo de forma muito natural.

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É muito bacana esta possibilidade de poder tocar vários estilos, e inclusive misturá-los.

Exatamente. E não deixa de ser um aprendizado, você poder estar em contato com outros estilos de música. Este disco com o Penezzi, por exemplo, ficou um disco extremamente latino-americano. Nós somos dois violonistas brasileiros, mas muito ligados à música latino-americana de forma geral. Aconteceu até uma coisa engraçada, porque a minha intenção sempre foi muito de conseguir juntar esta coisa latino-americana com o violão brasileiro, com o violão argentino, com o violão da América Latina de um modo geral, e o Penezzi também se interessa muito por esta linguagem.

Então acabou que ficou um disco um pouco inédito neste sentido, tem muitas aproximações de ritmos latino-americanos através de nossas composições, então é um negócio que acho que não tinha acontecido antes. Dois violonistas brasileiros saírem um pouco do foco do samba, do choro, da linguagem mais tradicional brasileira, mas buscando bastante todas estas intenções latino-americanas, então acho que ficou super interessante neste sentido. São coisas que vão acontecendo, entende? Não é uma coisa tão pensada, a gente vai se reunindo e colocando no papel os temas, até que dá uma quantidade bacana de músicas.

A música tradicional gaúcha, que você ouviu bastante desde garoto, já tem uma aproximação com a música latino-americana.

Exatamente.

Estas coisas que vamos ouvindo pela vida, aparecem de forma espontânea, inconsciente? Ou isso também tem que ser um pouco racionalizado, no sentido de conhecer as técnicas e intenções de cada linguagem?

Olha, na verdade é o seguinte, eu acho que tem um grande filtro aí, que acontece naturalmente, que são as composições. A maneira que eu tenho de visitar todas estas influências é compor coisas que tenham a ver com estas influências. Então, as composições que a gente acaba fazendo são homenagens a estes estilos todos. E eu acho que isso na verdade, independente até de uma proposta comercial que você tenha, de lançar um disco, é uma satisfação musical muito grande.

Você poder visitar estilos diferentes, que você sempre gostou… Eu já gravei coisas do Django, alguma coisa do repertório do jazz, então isso é uma coisa muito prazerosa, e um aprendizado muito grande, você estar gravando coisas que são de outros estilos, é uma coisa que faz um bem danado, e eu acho que é isso, a gente tá sempre procurando trazer coisas novas, e isso acaba sendo demonstrado claramente nas composições. Eu acho que as composições da gente são fotografias do que a gente gostaria de ouvir.

Você também declarou estar arriscando uma abordagem nova no violão.

São coisas que também vão acontecendo até meio que por casualidade. Ano passado eu tive umas encomendas de tocar concertos pra violão e orquestra, concertos já conhecidos e outros não tanto… eu fui tocar na França em junho do ano passado, numa sala super importante, com a Orquestra de Paris, e aquela regente mexicana chamada Alondra de la Parra, uma regente muito famosa hoje em dia… e aí tinha que tocar o Concerto de Aranjuez, tinha que tocar um concerto de Piazzolla pra violão e bandoneón, e tinha que tocar um concerto meu, que chama Concerto Fronteira.

E eu senti uma diferença de tocar o Concerto de Aranjuez no Canadá, em abril de 2014. E eu não tinha gostado muito da minha interpretação e tinha vontade de tocar aquela música de novo, até que quando eu fui tocar na França, no ano passado, em junho, eu comecei a estudar esta música de uma maneira diferente, de uma maneira mais tradicional, estudar com metrônomo…

E realmente pra mim foi uma coisa muito transformadora, estudar desta forma um pouco mais tradicional, estou passando todo meu repertório no metrônomo, estudando de uma maneira um pouco mais dedicada aos detalhes, ao acabamento das peças, então é uma coisa que vai acontecendo, a gente vai aprendendo, vai se dando conta que tem várias maneiras de tocar, de fazer música, e estas maneiras diferentes são sempre agregadoras, sempre te ensinam alguma coisa, então a gente tá sempre tendo a possibilidade de aprender. Eu fiz 36 anos agora, meu Deus, tenho muito tempo ainda, acho que um dia eu vou conseguir tocar direito este negócio.

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Quando improvisa, sua mente fica mais ligada no aspecto racional, das possibilidades técnicas a serem utilizadas, ou se concentra na intepretação e no sentimento?

Olha, é um pouco de tudo isso. Acho que você sair improvisando assim não é uma coisa tão fácil, então a primeira coisa que tem que estar claro na cabeça de quem está improvisando é a harmonia da música, a harmonia do tema, ou até quando você vai improvisar uma coisa mais livre, você normalmente busca um caminho melódico, que tenha um interesse harmônico grande.

Isso é uma coisa que eu aprendi com o Dominguinhos,  improvisar desta forma, quando você vai improvisar livre, você procura improvisar compondo, compondo melodias bonitas. Quando você vai improvisar em cima de um tema já estabelecido, independente do que você vá fazer, a harmonia tem que estar extremamente clara na sua cabeça, pra que esta improvisação tenha uma coerência. Às vezes pode parecer simples, mas não é. É um negócio bem foda (risos)… é bem racional ao mesmo tempo, e aí o que acontece é que se você se deixa levar muito pela emoção, também… tem um equilíbrio neste meio tempo aí que é super importante, e na verdade, raro de acontecer, que é a função de cada sentimento. A emoção, a vontade de estar fazendo aquilo, o conhecimento harmônico, tudo isso tem eu estar bem equilibrado, todas estas medidas, pra que esta improvisação tenha o que dizer, não seja uma verborreia musical, não seja…

Estéril.

Exatamente. Pra que ela tenha uma coerência, tenha uma profundidade.

Você já tocou em mais de 40 países. Dá tempo de absorver um pouco da cultura local, entender a cidade em que está, ou é aquela correria aeroporto-hotel-show-hotel…

É um pouco de tudo. Pra você ter uma ideia, vou pra Houston dia 06, dia 07 eu toco em Boston e dia 08 eu toco em Nova Iorque. Aí eu vou ter duas noites em NY pra dar uma volta, procurar algum clube legal, e depois vão ser mais 5 shows diretos, não vai dar tempo de absolutamente nada, normalmente estas viagens são muito corridas, não dá muito tempo de passear.

Nesta viagem terei estas duas músicas, quero ver se me encontro com alguns músicos, vou dar uma ligada pro Romero Lubambo, outros músicos que eu conheço que moram lá… Mas normalmente é uma correria danada, é trabalho mesmo, não tem nada muito a ver com este luxo que as pessoas tem na cabeça, do que seja uma turnê, é uma correria mesmo.

(Interrompemos por instantes, Yamandu comenta que está com uma gata no cio e que está tendo um trabalhão; Prosseguimos)

Tem ouvido música, outros artistas? Em que momento do dia você costuma fazer isso?

Escuto muita música no carro, e cada vez mais música clássica, cada vez mais música de concerto, impressionante como a vida vai caminhando pra este lado. Mas estou sempre ligado em discos de violonistas novos, que aparecem por aí, muita gente boa fazendo coisa boa. Tem um disco aí, fiz uma viagem de carro estes dias ouvindo, um disco incrível, de um rapaz aí de São Paulo, chamado Daniel Murray, tocando Tom Jobim. O menino fez um disco assim, incrível. Lindo demais, acabamento perfeito. Então a gente tá sempre ligado no que tá acontecendo. E não para de chegar violonistas novos, bons, impressionante como uma profissão que dá tão pouco dinheiro tenha tanta gente querendo aprender (risos).

E é uma safra maravilhosa esta, tem muita gente boa, né?

Muita. É impressionante, a gente nunca teve um leque tão amplo assim, de tantos estilos diferentes, de tantas escolas representadas… Então a gente vive um momento muito especial, eu considero um momento muito único do violão brasileiro.

Você falou de grana. Como é viabilizar a vida, o pagamento de contas, com música, num cenário não favorável economicamente?

A gente está passando por uma transformação no país, então é o momento de ficar mais quietinho, de segurar um pouco, apertar os cintos, e esperar o que vai desenrolar. Agora, uma carreira, e digo num sentido pessoal, é feita de muitas coisas que a gente vai fazendo, durante estes anos todos que eu estou na estrada, não fui nem um pouco acomodado, sempre inventando uma coisa ou outra. A carreira é um carro que tu empurra, que tu não para de empurrar. Então é um trabalho de criação, de invenção, de estar sempre se reinventando, de estar fazendo novas parcerias, de estar compondo sempre, se reinventando. E é isso que do todo, sai uma coisa só que é a bendita carreira.

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Pra onde a música está caminhando?

Isso é muito difícil prever, né? Acho que o mundo está se conhecendo mais nos últimos tempos, através desta facilidade mesmo da internet, acho que esta nova mídia aí, este novo tipo de comunicação tá começando já a mudar a cabeça das pessoas, e a informação está conseguindo correr de uma maneira nunca antes pensada. Então isso aí vai acabar refletindo na música. Acho que coisas muito interessantes vão acontecer, que muita coisa que não tem nada a ver também vai acontecer, não é uma coisa clara, depende muito de como se faz e da intenção que se tem por trás desta música.

Mas sem dúvida que as culturas vão se conhecer cada vez mais, e isso vai ser uma coisa muito enriquecedora pra formação musical, e de uma forma geral, acho que a formação dos músicos vai ser uma coisa muito diferente a partir destas novas mídias aí. Hoje em dia você faz um show, no outro dia tá na web. Então o cara que tá começando a tocar já vai sair de um certo ponto que ele não saía antes. Eu aprendi a tocar ainda escutando fita cassete, então é uma diferença abismal esta coisa da comunicação. Isso é uma coisa que já tá fácil de enxergar, a mudança que é ver pessoas tão jovens tocando tão bem, é o caminho do futuro, não tem como retroceder, não tem mais como voltar isso. Sem dúvida vai ter um lado bom muito positivo nesta história.

Alguns enxergam um lado negativo, de que há tanta informação que há uma tendência à dispersão, mas acho que esta é uma angústia nossa, da velha geração, que a nova já nasceu neste contexto e sabe muito bem como manejar tudo isso.

O peso e a medida são outros, estão saído de outro lugar. E isso vai ser uma coisa transformadora, vai ter muito mais coisa boa do que ruim nisso, sem dúvida. O cara que não tem discernimento natural vai se perder, como sempre se perdeu, e o cara que tem um dom natural de encontrar o seu caminho vai encontrar, isso é uma coisa da personalidade humana, não tem nada a ver com época. Eu acho que a informação, essa quantidade de informação, só pode ser positiva.

Conte um pouco sobre os programas Sete Vidas em Sete Cordas.

Ah, isso é muito legal, o audiovisual é uma coisa muito interessante, recentemente eu recebi um videozinho, fizeram uma noite na embaixada do Brasil em Moscou, convidando os músicos que participaram do primeiro episódio do Sete Vidas em Sete Cordas, que foram músicos russos. Violonistas de sete cordas russos, que eu entrevistei, que eu conversei, que eu fui lá pesquisar sobre a história deste instrumento (violão de sete cordas). Você acha este vídeo no Ministério das Relações Exteriores, do Itamaraty, tem este videozinho, deve ter um link fácil de achar pelo Google, e aí tem os comentários dos russos que eu conheci, que eu entrevistei, foi uma coisa incrível ter feito este programa.

Teve uma repercussão bonita, porque hoje em dia também tá todo mundo tão interessado nestas mídias, em aparecer, em estar na boca do povo, mas poucos se interessam pela qualidade do sucesso. Eu acho que às vezes isso é muito mais importante do que o sucesso… solto. Digo no sentido de que quando você faz uma coisa que tem coerência artística, como no caso destes programas, que vão ficar, são sete documentários, que falam de personagens super importantes no Brasil, pessoas também que não são tão conhecidas na grande mídia, mas que foi colocada uma luz nelas, e falando sobre um assunto que tem importância, que tem relevância na música do nosso país, então foi um negócio espetacular de fazer. E como eu disse a retribuição foi muito bonita, foi de uma dignidade tremenda, é um documentário que vai ser reprisado pela TV Cultura.

A gente deve lançar também esta série de DVD’s, então acho que é um programa que não vai parar agora não, ele ainda vai ter uma caminhada bonita. Foi super bem realizado pela produtora Doble Chapa, de dois meninos gaúchos que moram aqui no Rio, dois super profissionais. Um negócio super bem feito, super cuidado, e foi muito prazeirosa de fazer porque não teve intenção nenhuma de direção. Eu e o menino que fez a direção do programa não discutimos muito sobre como eu iria conduzir o programa, foi extremamente natural, as perguntas não foram formatadas, não foram elaboradas, eram coisas que eu tinha curiosidade de fato pra perguntar pros participantes, pros entrevistados, então foi muito natural,  de uma maneira muito espontânea. E isso que é legal, das pessoas conseguirem ter acesso a um pouco mais da história deste instrumento que é tão emblemático, tão importante pro Brasil.

E nesta pesquisa, a que conclusão você chegou quanto à origem dele? É realmente russa?

Olha, nem eles sabem explicar direito de onde veio o instrumento, e como chegou no Brasil! Eu sei que ele é um instrumento que não tem parada. É um instrumento que vai conquistando culturas, então ele chegou no Brasil e agora começa a se espalhar pela América Latina. Ele chegou no Peru, chegou na Colômbia, então é um instrumento que não para de caminhar, entende? Não se tem muito uma história clara do que exatamente aconteceu.  Acho que o importante não é nem isso, o importante é que é um instrumento que tem uma facilidade de se aculturar muito fácil. Aonde ele chega, ele vai abraçando a cultura e vai abrindo um novo leque de possibilidades pra todas as culturas que ele consegue chegar.

E ele pode tanto fazer acompanhamento quanto ser solista, né?

Exatamente, é um instrumento completo. Se a gente for falar de guitarra de sete cordas, que existe, guitarristas americanos, em Nova York tem uma galera que toca com guitarra elétrica de sete cordas, o John Pizzarelli, por exemplo. Então é um instrumento que cresce cada vez mais, em várias e várias tendências. Porque é um detalhe a mais, mas que faz toda a diferença, abre uma possibilidade enorme.

E no violão brasileiro, temos grandes violonistas de sete cordas.

Exatamente. E esta série conseguiu colocar luz nesta galera toda, isso foi uma coisa que me deixou muito, muito contente.

E você acha que há um fator específico que justifique esta grande quantidade de violonistas brasileiros que optam pelo sete cordas?

Eu acho que é natural, um povo miscigenado destes, com uma música também misturada como a nossa, não tem como não acontecer. E não só no sete cordas, mas de uma maneira geral, a gente tem músicos incríveis no país, e isso é um coisa que onde há mistura, acontece isso. Em Cuba acontece isso, na Colômbia acontece isso, no Peru…

Onde tem a passagem negra, do povo negro, onde tem esta influência, a música se beneficia. No swing, toda esta influência aí, que dá o sabor da música do mundo, é a coisa africana. Então onde tem a sorte de ter esta influência, não tem erro, as coisas vão acontecendo.

E o Contradança?

O Contradança já é um programa um pouco mais tradicional, é um programa de convidados. São 13 episódios de 25 minutos de música, onde eu recebo gente pra fazer um som informal, e tal. Eu convido, apresento, e poxa, a gravação foi uma maratona, a primeira série tem convidados super especiais, o Seu Jorge foi me visitar, o João Bosco, Maurício Carrilho, tanta gente bacana, a Mônica Salmaso, Teco Cardoso, Chico César, Mestrinho, que é um acordeonista novo, foi junto com o Chico Cesar… Leo Gandelman foi me dar um abraço, o Renato Borghetti…

O Renato foi junto com o Arthur Bonilla, um violonista gaúcho que faleceu há pouco menos de um ano atrás (no dia 29 de maio de 2015), que era um gênio do violão de sete cordas, que foi um dos personagens do Sete Vidas em Sete Cordas… A última vez em que estive com o Bonilla foi na gravação deste programa. Então quer dizer, tanta gente bacana que passou por este programa, entende? A Alcione também esteve lá, o Nicolas Krassik, que é um violinista francês que mora no Rio já há bastante tempo, o  Carlos Malta, então olha só, olha o elenco…

Agora, é um programa em que eu me exponho bastante, porque não teve um ensaio prévio, foram coisas que foram feitas na hora, então é improvisação total. Claro que improvisação tem estes dois lados, né? A improvisação é como diz o Arismar do Espírito Santo, que tem aquela frase genial, que diz que a improvisação é uma questão de beleza e paciênciaQuando você acerta, beleza, quando você erra, paciência (muitos risos).

Não tem muito como ficar corrigindo. Então tem muita coisa minha que não tá muito direita, mas também acho que a cara do programa é essa, que todos vão sacar que foram encontros mesmo de música feita na hora. E com uma equipe super preocupada com fotografia, com som, com todos os cuidados técnicos necessários, todos foram muito bem elaborados, então acho que ficou muito bacana também, devem ir ao ar em agosto, mais ou menos, no Canal Brasil.

Arthur Bonilla, talentoso violonista morto precocemente num acidente em 2015Arthur Bonilla, talentoso violonista morto precocemente num acidente em 2015

Destes convidados todos, algum com quem haja possibilidade de concretizar uma parceria pra um projeto de longo prazo, shows, discos?

Olha, não tenho esta pretensão, não fico pensando muito nisso, ainda não sei, eu gosto muito da minha amizade e da minha parceria com o Seu Jorge, sempre gostei muito, a gente se adora, não só pessoalmente mas musicalmente, a gente acha que tem muita coisa em comum, já falamos algumas vezes de fazer alguma coisa, então de repente uma hora a gente pode emendar os bigodes aí e fazer alguma coisa juntos.

Tomara, seria muito bacana! E você tem algum desafios, algo que gostaria de fazer de diferente?

Queria muito gravar um disco em homenagem ao violão latino americano, até coisas da América Central, de Cuba, mas um pouquinho mais focado nesta parte do Caribe, a parte mais de cima da América Latina, porque esta minha influência argentina todo mundo já sabe, as pessoas que acompanham meu trabalho sabem que eu venho desta escola, mas a minha intenção é a de conhecer um pouco mais a música colombiana, venezuelana e tal, e de fazer uma produção bacana em cima disso, colocar o foco sobre este violão latino-americano, fazer uma produção pesada, com uma instrumentação grande, pegar de repente músicas que foram feitas pra violão solo e espalhar isso pra uma formação maior, colocar percussões, cordas, vozes e tal, fazer um trabalho de estúdio que eu nunca fiz, com calma, fazer uns projetos um pouco mais arrojados. De repente fazendo este estúdio que eu quero fazer na minha casa, eu vou começar a conseguir viabilizar isso aí.

Você já fez trilha pra cinema?

Ainda não! Ainda não, já tive algumas propostas, mas nunca de fato as coisas aconteceram, mas tenho vontade também, não só pra cinema, mas pra dança, tenho vontade de mexer com outras coisas. Tenho feito algumas coisas dentro desta área da música mais clássica, de concerto, tenho feito algumas músicas aí, tenho viajado bastante tocando este Concerto de Fronteira que eu fiz dois anos atrás, que eu gravei com a Orquestra do Mato Grosso, então tenho tido esta experiência. E devo tocar este ano, e ano que vem também, bastante com orquestra. Este ano eu vou fazer um concerto aqui no Municipal, com a OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira) tocando o Concerto de Fronteira. Então estou super aberto aí a novas propostas, de poder  me estender até onde a música pode chegar.

Todo mundo que gosta de música brasileira ainda está triste com o falecimento do Naná Vasconcelos, com quem você tinha uma parceria.

Tive um Duo com o Naná, a gente gravou inclusive um CD, que ainda está inédito,  a gente gravou na FECAP, aquele teatro ali na Liberdade (bairro de São Paulo), há uns oito anos atrás, por aí. É um CD que tá inédito, que ficou por aí, uma hora alguém vai ter que resgatar isso aí. O Naná era uma coisa incrível, um músico maravilhoso, o sujeito tinha uma coerência artística incrível. Sabia da importância dele pro Brasil, e levou muito nossa música pra fora, gravou muitos discos, uma carreira muito bonita, era um cara incrível, único, e que deixou a história dele, fez cumprir o papel dele maravilhosamente, um grande profissional, um cara super focado na música. Tudo que eu vivi com ele foi maravilhoso, o som, o palco, as festas, todas as conversas, pensamentos, tudo que eu tive com ele foi de extrema importância.

O mestre da percussão, Naná Vasconcelos
O mestre da percussão, Naná Vasconcelos

Yamandu, pra terminar, como você enxerga a importância da música na sociedade e na cultura como um todo?

Acho que a música tem um papel fundamental de formar o intelecto, acho que a pessoa ter contato com a música, ela se torna uma pessoa muito melhor. Acho que existe uma importância muito maior do que a que se dá. Geralmente a música é vista como entretenimento. E a música tem um poder terapêutico na vida das pessoas, na comunhão das pessoas, não é à toa que a música sempre foi usada de diversas formas, não só pra propaganda, mas dentro da religião, dentro da política, dentro de tudo que possa acolher as pessoas, que possa juntar as pessoas.

Então, se a gente conseguir enxergar de uma maneira laica e democrática, a música tem um papel fundamental na formação da sociedade. Então é uma tristeza a gente ver que nosso país ainda não dá o valor necessário a isso. A gente quando viaja pra fora, e vê como a música  é tratada… claro, em lugares que já tem um certo desenvolvimento, a gente vê que o que nós temos ainda, que é esta ingenuidade, este povo ainda que está se formando como povo, nós temos ainda uma coisa que é rara de ver no mundo, que é essa possibilidade de criação. E infelizmente isso ainda não é usado da forma correta, junto com a instrução, junto com a educação musical.

Então quando isso for feito, quando isso conseguir ser realizado, a gente vai ter um resultado incrível. É um povo ainda que tem muita coisa pra dizer, mas que ainda não sabe como, e isso é falta mesmo de educação musical, eu acho que a música tem um poder transformador incrível nas pessoas, que ela tem o poder de unir as pessoas, mas de uma forma especial mesmo, de uma forma muito única.

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